sábado, 22 de outubro de 2011

Sobre o livro que nos inspirou.


Casa-Grande & Senzala é um livro escrito pelo autor brasileiro Gilberto Freyre, e publicado em 1 de dezembro de 1933. Através dele, Freyre destaca a importância da casa grande na formação sociocultural brasileira bem como a da senzala que complementaria a primeira.
 Na opinião de Freyre, a própria estrutura arquitetônica da Casa-Grande expressaria o modo de organização social e política que se instaurou no Brasil, qual seja o do patriarcalismo. Isto posto que tal estrutura seria capaz de incorporar os vários elementos que comporiam a propriedade funciária do Brasil colônia. Do mesmo modo, o patriarca da terra era tido como o dono de tudo que nela se encontrasse como escravos, parentes, filhos, esposa, etc. Este domínio se estabelece de maneira a incorporar tais elementos e não de excluí-los. Tal padrão se expressa na Casa-Grande que é capaz de abrigar desde escravos até os filhos do patriarca e suas respectivas famílias.
Neste livro o autor tenta também desmistificar a noção de determinação racial na formação de um povo no que dá maior importância àqueles culturais e ambientais. Com isso refuta a ideia de que no Brasil se teria uma raça inferior dada a miscigenação que aqui se estabeleceu. Antes, aponta para os elementos positivos que perpassam a formação cultural brasileira composta por tal miscigenação (notadamente entre portugueses, índios e negros).

Gilberto Freyre sobre as críticas que recebeu


A vida de Gilberto Freyre, após a obra Casa-Grande, passou a ser um eterno explicar-se. Incansavelmente, repetia que não fora criador do mito da democracia racial e que o fato de seus livros terem reconhecido a intensa miscigenação entre as raças no Brasil não significava decerto a ausência de preconceito ou de discriminação. Gilberto Freyre apontou que muitos (inclusive americanos) dizem ser os Estados Unidos uma "democracia exemplar" ao passo que a escravidão e a segregação racial estiveram presentes durante a maior parte da história norte-americana. Exemplo de desabafo contrário à acusação de ter criado a idéia de equilíbrio racial no Brasil pode ser extraída da entrevista realizada com o autor em 15/3/1980. À pergunta: “Até que ponto nós somos uma democracia racial?”, formulada pela jornalista Lêda Rivas, Freyre respondeu:
“(…) Democracia política é relativa. (…). Sempre foi relativa, nunca foi absoluta(…).Democracia plena é uma bela frase (…) de demagogos, que não têm responsabilidade intelectual quando se exprimem sobre assuntos políticos. (…). Os gregos, aclamados como democratas do passado clássico, conciliaram sua democracia com a escravidão. Os Estados Unidos, que foram os continuadores dos gregos como exemplo moderno de democracia no século XVIII, conciliaram essa democracia também com a escravidão. Os suíços, que primaram pela democracia direta, até há pouco não permitiam que mulher votasse. São todos exemplos de democracias consideradas, nas suas expressões mais puras, relativas. (…). O Brasil (…) é o país onde há uma maior aproximação à democracia racial, quer seja no presente ou no passado humano. Eu acho que o brasileiro pode, tranqüilamente, ufanar-se de chegar a este ponto. Mas é um país de democracia racial perfeita, pura? Não, de modo algum. Quando fala em democracia racial, você tem que considerar [que] o problema de classe se mistura tanto ao problema de raça, ao problema de cultura, ao problema de educação. (…) Isolar os exemplos de democracia racial das suas circunstâncias políticas, educacionais, culturais e sociais, é quase impossível. (…). É muito difícil você encontrar no Brasil [negros] que tenham atingido [uma situação igual à dos brancos em certos aspectos...]. Por quê? Porque o erro é de base. Porque depois que o Brasil fez seu festivo e retórico 13 de maio, quem cuidou da educação do negro? Quem cuidou de integrar esse negro liberto à sociedade brasileira? A Igreja? Era inteiramente ausente. A República? Nada. A nova expressão de poder econômico do Brasil, que sucedia ao poder patriarcal agrário, e que era a urbana industrial? De modo algum. De forma que nós estamos hoje, com descendentes de negros marginalizados, por nós próprios. Marginalizados na sua condição social. [...]. Não há pura democracia no Brasil, nem racial, nem social, nem política, mas, repito, aqui existe muito mais aproximação a uma democracia racial do que em qualquer outra parte do mundo”.
E ao prefaciar a obra Religião e Relações Raciais, de René Ribeiro, Gilberto Freyre mais uma vez afirmou:
“Tão extremada é tal interpretação como a dos que pretendam colocar-me entre aqueles sociólogos ou antropólogos apenas líricos para quem não houve jamais entre os portugueses, nem há entre brasileiros, preconceito de raça sob nenhuma forma. O que venho sugerindo é ter sido quase sempre, e continuar a ser, esse preconceito mínimo entre portugueses — desde o contato dos mesmos como os negros e da política de assimilação, do Infante – e brasileiros, quando comparado com as outras formas cruas em vigor entre europeus e entre outros grupos. O que daria ao Brasil o direito de considerar-se avançada democracia étnica como a Suíça se considera — e é considerada — avançada democracia política, a despeito do fato, salientado já por mais de um observador, de haver entre os suíços não raros seguidores de (…) idéias políticas de antidemocracia”.
O fato de não haver se filiado à corrente maniqueísta esposada por alguns dos líderes negros talvez tenha custado muito caro ao sociólogo. Mas a verdade é que Freyre bem conhecia a realidade estadunidense, a tal ponto de não poder associá-la, nem aproximá-la, da realidade brasileira. Usualmente Freyre tecia considerações sobre as diferenças entre o sistema de segregação institucionalizada, operada nos Estados Unidos e o racismo praticado no Brasil. Nesses termos, afirmava:
“Não é que inexista preconceito de raça ou de cor conjugado com o preconceito de classes sociais no Brasil. Existe. Mas ninguém pensaria em ter Igrejas apenas para brancos. Nenhuma pessoa no Brasil pensaria em leis contra os casamentos inter-raciais. Ninguém pensaria em barrar pessoas de cor dos teatros ou áreas residenciais da cidade. Um espírito de fraternidade humana é mais forte entre os brasileiros que o preconceito de raça, cor, classe ou religião. É verdade que a igualdade racial não se tornou absoluta com a abolição da escravidão. (…). Houve preconceito racial entre os brasileiros dos engenhos, houve uma distância social entre o senhor e o escravo, entre os brancos e os negros (…). Mas poucos aristocratas brasileiros eram rígidos sobre a pureza racial, como era a maioria dos aristocratas anglo-americanos do Velho Sul”

Fonte: Instituto Milleniuim 

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